quinta-feira, 25 de março de 2010

Anel

Hoje nada mudou.
Tudo se repete,
é um anel.

Talvez amanhã pare
e o verde da pedra
não seja de fel

porque a prata enferruja
e corpo se corta
naquilo que não presta.

A rapariga na missa

Ela chegou tarde em fôlego.
Entrou por entre as pessoas e caminhou com dificuldade pelos espaços estreitos para o seu corpo cansado. Viu um lugar no centro e aproveitou. Ficou sozinha a um canto do banco enquanto o padre falava e aquele local sagrado se tornava num momento de reflexão colectiva. Ela aproveitou o momento para descansar e sentiu o peso nos olhos. A cabeça tombava ligeiramente como quando adormecemos no autocarro e cada paragem é um pequeno momento de tortura, mas aqui perpetuado pelo grupo coral, que insistia em iniciar os cânticos com picos de louvor. Ela estremecia e ouvia ao longe as teclas do órgão acompanhadas pelas vozes do povo caminhando em peregrinação para a comunhão. Por momentos parecia que ia tombar mas ela lá se recompôs. Conseguiu a tempo não cair sobre o povo que caminhava. Levantou-se para a bênção final e sentou-se rapidamente para os avisos semanais. "Foi encontrado um porta-moedas com algum dinheiro que se..." e as palavras fugiam e instalava-se o cansaço novamente. A respiração abrandou. Sentiu os fieis a abandonar a igreja e a luz a entrar pela porta. O barulho parou. A luz desapareceu.
Algumas pessoas comentavam, criticavam e gozavam. Adormeceu na missa. Que vergonha.
Foi o padre que ao vir fechar as portas a veio tentar acordar sem sucesso.
Descansava em paz.