quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

A aposta

- Tens a certeza que consegues?
- Tenho! Já te disse que ia até ao fim! Para de me chatear com isso. Vou para casa. Encontramo-nos no sítio combinado.
- Aposto que não o fazes!
- Cala-te! Já te disse para fechares a boca. Até amanha.
E despedindo-se com um acenar de cabeça, daqueles que se dão quando não queremos muita conversa, Filipe dobrou a esquina e seguiu para casa tal como tinha dito. João continuou o seu caminho, seguindo a Rua Mártires da Pátria, e com calma foi vendo as montras e olhando as pessoas de esguelha. Sentiu o desprezo habitual o que o fez sentir bem e sorriu discretamente enquanto caminhava.
Filipe seguiu rápido para casa. Ainda queria arrumar (ou organizar como ele dizia) umas coisas naquela noite. Não queria deixar nada para o dia seguinte nem para ninguém. Ao entrar olhou de relance para a casa e planeou a sua estratégia. Começou por arrumar a secretária, passou para os livros na estante colocando-os por ordem alfabética. Saltou para o quarto e passou a roupa a ferro, colocou a roupa no roupeiro (ou guarda vestidos, como ele dizia – resquícios de uma infância passada entre irmãs) e depois foi para a cozinha. Lavar a louça era sempre uma tarefa que ele considerava especialmente dolorosa... Para encher a banca com a louça que ele sujava eram precisos alguns dias... e isso era uma lembrança constante da sua solidão. Quando acabou foi para quarto novamente e mudou os lençóis e foi-se despindo até chegar ao chuveiro. Tomou um longo banho que o fez sentir melhor e mais quente.
João entrou em casa, acendeu a luz, ligou a televisão (não suportava aquele o silêncio na casa vazia) e foi-se acomodando, começando por retirar a incomoda gravata e os sapatos clássicos que faziam parte do conjunto a que ele chamava os “ossos do ofício” e que faziam sobressair o seu ar aristocrático. Encheu um copo alto com licor de café, acendeu um cigarro e aproximou-se da janela para observar a cidade. Saboreou o momento, o cigarro e o licor.
Deixou a sala e deslizou depois para o quarto, despiu-se, vestiu-se e enfiou-se na cama. Amanhã era um dia especial, sorriu e adormeceu.
O outro, Filipe, escreveu a carta, tal como tinham combinado, e foi-se deitar. Demorou a adormecer, afinal amanhã era um dia especial, e ele teve sempre dificuldades em adormecer antes dos dias especiais.
A manhã surgiu limpa. Os despertadores tocaram nas duas casas aproximadamente à mesma hora. Filipe desligou o seu e levantou-se, fez as coisas que sempre fazia de manhã. João simplesmente levantou-se e deixou o despertador ligado com o rádio a tocar, e fez as coisas que sempre fazia de manhã. João pegou na carta, na arma e nas balas. Filipe também pegou na arma , na bala e no envelope. Saíram, trancaram as portas e foram para o lugar combinado.
Chegaram quase ao mesmo tempo ao prédio abandonado na 5 de Julho, cumprimentaram-se com um aceno de cabeça, entraram e subiram as escadas em direcção ao terraço. Subiam, Filipe à frente e João atrás, lentamente mas com uma velocidade constante. Tinham tempo.
- Tens a certeza que consegues?
- Tenho! Já te disse que ia até ao fim!
- Aposto que não o fazes!
João já não respondeu, endureceu o olhar e continuou a andar. Sempre até ao terraço. Filipe abriu a porta com algum esforço, estava perra (anos e anos de abandono tem efeitos destes nas portas e nos corações, simplesmente deixam de funcionar correctamente.), e a luz do sol iluminou a entrada. João sentiu-se melhor, era sempre melhor fazer aquilo num dia de sol, pensou ele, se bem que pensou quase de seguida, se haveria de facto algum dia melhor para fazer aquilo. Dirigiram-se para o meio do terraço e colocaram-se um em frente ao outro. Viram que estavam muito próximos e recuaram alguns passos. João apertou a carta que trazia no bolso, com alguma força enquanto Filipe apenas confirmou que o envelope lá estava.
- Tens a certeza que consegues?
- Tenho! Cala-te com isso!
- Aposto que não o fazes!
- Cala-te! Anda, vamos acabar com isto.
- Muito bem, vamos.
João retirou a arma do outro bolso e meteu lá dentro uma bala enquanto Filipe pegou apenas na arma.
Não a vais carregar?
Já está carregada.
Andaste por aí com uma arma carregada?
Andei! Qual é o problema? Estás com medo que me magoe.
Calaram-se os dois e enquanto um esboçava um sorriso trocista o outro respondia com um sorriso quase infantil.
- Vamos?
- Sim.
Pegaram na arma e enfiaram o cano da arma na boca, olharam um para o outro, e contaram até três com os dedos e com alguns sons que já não soavam a nada. O vento assobiava e levantava as pontas de metal solto. Aos três premiram o gatilho. João conseguiu ver ainda no rosto de Filipe um sorriso de desprezo e troça...mas já não foi a tempo de parar aquele movimento fatal e caiu morto no chão. O clique vazio da arma de Filipe pareceu mais alto que a pequena explosão da arma de Filipe. Olhou para o corpo mole de João, largou no chão a bala que tinha guardada no bolso e largou no ar o envelope vazio que foi arrastado para longe pelo vento. Virou costas e dirigiu-se para a porta, dizendo em voz baixa:
- Ganhaste! Sempre foste até ao fim.
Sorriu, abriu a porta e desceu com calma.
Afinal, pensou ele, hoje é um dia especial.

2 comentários:

belita disse...

nooi jorginho,
k surpreendente esta tua ficção.
gosto mais deste teu estilo, k do outro das viagens.
qto a talento este ñ t falta, por isso kep going on.
big kiss

ps vamos ver s consigo postar-te este comment é k já tentei outro e ñ deu

belita disse...

oi jorginho,
k surpreendente esta tua ficção.
gosto mais deste teu estilo, k do outro das viagens.
qto a talento este ñ t falta, por isso keep going on.
big kiss

ps vamos ver s consigo postar-te este comment é k já tentei outro e ñ deu