sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Miséria e podridão

Conseguia sentir as térmitas a corroer por dentro a perna, escavando túneis e zunindo não o deixando dormir.
Já tinha visto um buraquinho ou outro junto ao calcanhar escurecido, e, aquele presságio de pó acumulado em cima do cartão humedecido. Naquelas manhãs cinza arrumava tudo o mais rápido possível para ser um dos primeiros a chegar e ter direito a alguma comida ainda quente. Não era propriamente por fome mas para sentir o calor que se esfumava e embatia naquele rosto velho, calejado e frio. Era a melhor coisa do mundo. Havia noites, e havia dias, em que sonhava com aquela água de lavar café a esfumar e a envolve-lo em fios de calor como uma aranha a envolver a sua presa em delicados fios de seda. Fazia lembrar... Fazia lembrar outros tempos que recordava com algo que ele sabia ser diferente da saudade mas não sabia bem definir. Não encontrava um bom termo e depois esquecia enquanto terminava o pequeno almoço rarefeito.
Caminhava ao ritmo de um compasso oco que ressoava em todo o corpo. Ele sabia que isto era o princípio da podridão, a miséria já tinha chegado há muito.

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